Canônico

E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. Se pois o Filho vos libertar verdadeiramente sereis livres”.
Jesus – (João 8:32-36)

Quando Cristóvão Colombo chegou à América, veio acompanhado de um padre que ficou impressionado com a forma com que os índios viviam. Andando nús, fumando peiote, maconha, e outros alucinógenos... adorando seus deuses como o sol, a lua, o trovão, os relâmpagos... mais tarde esse padre voltou à Europa e trouxe consigo outros padres para catequizar esses índios, pregando para eles a existência de um único Deus. Os índios se revoltaram, mataram esses padres e ofereceram seus corpos a Deus. Um cidadão chamado Saulo, certa vez, andando em seu cavalo, viu um sinal de uma cruz no céu; a visão foi tão forte que ele caiu. Em meio ao clarão, Jesus apareceu para ele, a luz era tão ofuscante que Saulo ficou cego por três dias. Depois disso ele tirou o “S” e colocou “P” em seu nome que mudou para Paulo. Raciocinemos o seguinte ponto: se Jesus quer que todos creiam no evangelho e sejam salvos, porque Ele não aparece para todos também? Será que Paulo era mais especial que o resto da humanidade, ou será o contrário? Já que Jesus disse que “bem aventurados os que não vêem e crêem”. Será que o coração de Paulo estava tão duro, assim como os seus olhos estavam vendados por causa da sua antiga religião? Ou será que quando ele ficou cego por causa da luz que viu, foi quando realmente passou a enxergar? Bom, a verdade é que Paulo já havia presenciado outros sinais antes, mas nunca lhe chamaram a atenção; porque ele era como qualquer um de nós e para a maioria de nós os sinais de Deus não são tão bem claros. Outra coisa é que, quando temos uma crença nos tornamos tão obtusos que desprezamos completamente a verdade dos outros e achamos que a nossa é a única; matamos por ela, condenamos e julgamos. Esquecemos que a razão de não podermos ver estrelas durante o dia não é porque elas não estejam lá, mas sim porque a luz do sol não permite e os nossos olhos são limitados. Por isso, é válida a afirmação de que a mesma luz que pode clarear e mostrar o caminho também cega.
Quando Jesus soube que seu amigo Lázaro havia morrido decidiu voltar à Judéia para fazê-lo voltar à vida; os seus discípulos, porém, lhe advertiram que não era uma idéia boa voltar lá, uma vez que os Judeus já haviam tentado apedrejá-lo e que se Ele (Jesus) voltasse correria o risco de morte. Todavia, num ato de coragem Tomé tomando a palavra disse: “vamos nós, também, para morrermos com Ele”. Em outra passagem da Bíblia, conta que depois da morte e ressurreição de Jesus, Ele apareceu para Maria e Maria Madalena, esta o fez saber aos discípulos, todos creram exceto Tomé, e ainda disse que só acreditaria se tocasse nas feridas deixadas pelos cravos e pela lança do soldado. A partir daí ele ficou conhecido como “o discípulo que duvidou”. Por causa desse episódio a igreja não aceitou o livro que ele escreveu colocando o mesmo livro na lista dos Apócrifos. Erroneamente entendido como “sem inspiração”, o termo apócrifo vem do grego, significa “escondido, oculto”. Cabe, aqui, também uma dúvida: afinal, quem determina o “nível” de inspiração divina em algum manuscrito? Ou quem foi a maior autoridade constituída pelo próprio Deus para escolher quais livros seriam sagrados ou não?
É estarrecedor tentar compreender porque a igreja condena tantas pessoas injustamente; por um simples ato de fraqueza ela despreza todo um ato de coragem, tornando esta pessoa indigna do Reino dos Céus. Tomé nunca foi lembrado, pela igreja, por querer dar a vida por Jesus, mas por duvidar que Ele havia ressuscitado. O impressionante é que Pedro negara a Cristo por três vezes, no entanto a igreja aceitou Pedro como o seu primeiro Papa; afinal ele se arrependeu. Todos lembram disso só não lembram que Tomé se arrependeu e antes de tocar em Jesus ele acreditou. A verdade é que a igreja canoniza quem ela quer e sataniza que ela acha que deve. Ela é “onipotente”, detentora das “chaves” dos portais do paraíso e só entra nele quem ela julga merecer. Ela salva quem quer e condena quem quer também.
Quando Galileu afirmou, publicamente, que não era a terra o centro do universo mas sim o sol e que todos os planetas, inclusive a terra, girava em torno dele; a igreja considerou uma heresia e o forçou a negar publicamente suas teorias. Se ele não fizesse isso, ela – a própria igreja – o queimaria na fogueira. Que estranho... a bíblia diz: “não matarás,” porque a igreja, então, contradiz a Palavra de Deus e acha que permanecerá impune? Durante muito tempo a igreja passou a perseguir pessoas, condenando-as em prisões até a morte por causa de suas crenças. A verdade, na verdade, é um prisma com várias vertentes, e mesmo a religião sendo uma delas ainda está longe de ser absoluta.
Assim como a religião, a sociedade é também desprezível no que diz respeito à intolerância. Basta ver como ela trata seus ex-presidiários; pessoas que pagaram pelos seus erros quase nunca recebem um voto de confiança como segunda chance. Desbravadores como Marcopolo e Cristóvão Colombo tiveram seus nomes nos livros de história; afinal, poucos em sua época tinham a coragem de deixar o aconchego e a segurança de seus leitos para se lançar ao desconhecido à procura de aventura. O próprio Colombo, por exemplo, foi um ex-condenado, preso por desfalque. Talvez por passar tanto tempo acorrentado vendo o sol por entre as grades de uma masmorra fria, o jovem Cris desejou imensamente lançar-se ao mar em busca de horizontes novos.
Muitas pessoas boas viram as paredes de uma prisão; elas foram condenadas por coisas que não fizeram, por sua fé ou até mesmo por lutar por seus direitos ou pelos direitos do próximo. Pessoas como Sócrates, Gandhi, Joana D’arc... Até mesmo nosso Senhor Jesus Cristo, foi injustamente condenado e colocado entre ladrões, a escória, o lixo deste mundo. Antes de morrer disse para um deles: “Na verdade te digo, hoje estarás comigo no paraíso”. O impressionante é que não foi sua mãe, nem um de seus irmãos ou um de seus discípulos que o Filho de Deus levou para o céu com Ele, quando deixou este mundo; foi um ladrão, um condenado, um malfeitor... Mas porque Jesus não escolheu um sacerdote; um profeta ou um religioso para entrar no Reino de Seu Pai? Talvez porque, enquanto estava preso, ele sabia que só um prisioneiro sabe o valor que tem a liberdade, e que na verdade, na verdade, é um pecador – e não um santo – quem mais precisa do amor de Deus.
Paulo perseguiu os cristãos, assistiu a morte de muitos deles e condenou outros tantos às prisões e calabouços antes de conhecer a simples verdade. Depois passou a ser perseguido, foi jurado de morte e terminou seus dias preso em seu próprio domicílio. Às vezes é preciso tomar cuidado para que ao se encontrar com a luz, sua visão não fique tão estreita a ponto de você perseguir, julgar e condenar os outros; achando-se superior ou detentor da única verdade; se não você pode terminar solitário e perdido, andando numa estrada, como Paulo, pronto pra cair do cavalo.



MARKUS CATEDRAL; O ÚLTIMO HOMEM.
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